a idéia é colocar pontos de vista diferentes sobre o grande tema do envolvimento e do recebimento das mulheres no rock; no meu texto tentei colocar minha visão particular, que tem a ver com uma experiência específica de ser garota e atuante na cena de hardcore do distrito federal. tentei fazer um texto que partisse do pessoal mesmo. esse é um tema que muito me interessa e sobre o qual eu vivo conversando com quem quiser, então se você tem coisas a dizer sobre o assunto, deixe um comentário ou então me escreva em: sororidade@gmail.com
queridas, sintam-se a vontade para comentar, discutir, discordar, debater.
ponto 1: bandas com garotas- repúdio e paternalismo
no texto, clarissa e xandrac afirmam que os comentários do público normalmente se referem ao nosso corpo e quase nunca ao nosso desempenho como instrumentista.
discordo um pouco, mas tem a ver com minha experiência pessoal e talvez com a vivência em uma das muitas cenas musicais no df. lembro que elas falam de uma cena rock e eu falo de dentro da cena de hardcore extremo do df.
toco em bandas tem quase 5 anos, e já toquei em muito xou tosco, em vários lugares diferentes e em algumas cidades diferentes também. e em todos esses xous apenas uma vez um cara teceu esse tipo de comentário durante o xou. e o que é mais intrigante: enquanto eu tocava na minha banda "mista". quando comecei a tocar, ouvia muitos comentários sobre meu desempenho. normalmente falando que eu tocava mal, reto demais, sem viradas (já me chamaram algumas vezes de coelhinho da duracell). depois eles passaram a ser "porra, até que você toca bem" (o complemento "para uma menina" era as vezes engolido), ou "você tem muito mais pegada que muito marmanjo".
costumo pensar que em brasília o peso é mais leve. brasília apesar de ser uma cidade nova e pequena, já teve uma série de bandas só com mulheres tanto no hardcore como metal (tivemos o flammea, o volkana, o valhalla, o kaos klitoriano, o bulimia) e uma série de bandas com mulheres na formação (PUS, detrito federal, besthoven, death slam e tantas outras). nós sempre estivemos presentes ativamente no cenário musical underground do df. as vezes acho que isso faz a cena do df ser mais aberta à bandas com mulheres.
no entanto, já vi uma série de xous aonde os caras gritam horrores para as mulheres no palco. mas (discordando um pouco do texto da clarrissa e da xandrac) dentre essas coisas, o desempenho da gente como instrumentista sempre está na roda. acho que isso chega a ser o motor dos insultos, porque normalmente os caras chegam no xou com o pensamento "vamos ver se essas meninas sabem tocar mesmo". a hostilidade é anterior ao xou. me lembro de ter visto há muito tempo, xous aonde os caras xingavam as meninas por implicância, porque consideravam uma banda ruim que só tocava em xous por ser uma "banda de meninas". o que me leva ao ponto que quero defender: mais grave que o preconceito contra bandas com mulheres é o paternalismo com que somos tratadas. como se fossemos "meninas" mesmo, como se fossemos crianças brincando de fazer banda. muitas vezes somos chamadas pra tocar apenas por esse "exotismo" de ser uma banda de garotas, ou porque xs organizadorxs acham bom reservar um espaço para mulheres. é uma política do politicamente correto que sai pela culatra, porque acaba que temos um espaço de tratamento paternalista e diferenciado: as bandas de mulheres não são avaliadas da mesma forma que bandas de homens, normalmente o nível exigido é bem menor.
então parece que temos dois comportamentos oscilantes, um é o repúdio a mulheres em bandas e o outro é o tratamento especial e paternalista. e no meio, entre esses dois comportamentos temos um nada. e o paternalismo de alguns alimenta o repúdio de outros, que costumam se enraivecer porque uma banda "ruim, mal tocada, ou sei lá o que" está tomando um espaço que seria dos caras (e por isso de bandas "boas, bem tocadas") apenas porque pe composta por mulheres. essas identidades entre banda de mulher e ser mal tocada e banda de homem ser bem tocada já são pressupostas por esse tipo de discurso, elas não são discutíveis. assim, um comportamento alimenta o outro e entramos num ciclo estranhíssimo.
convenhamos que ambos os comportamentos são misóginos- um disfarçado e outro escancaradamente (e as vezes violentamente) misógino. no entanto, costumamos conviver bem com o primeiro comportamento... as vezes sem nem questiona-lo.
ponto 2: porque as bandas de/com mulheres são escassas?
normalmente a resposta a essa pergunta gira em torno do espaço ou da falta de espaço que existe na cena musical para mulheres se envolverem. mas eu vejo a situação inversa: muito espaço e muito “apoio” à iniciativas de mulheres dentro do hardcore (um apoio que eu percebo como paternalista, mais ainda sim um apoio).
por isso acho que a resposta a essa pergunta é mais complicada. no hardcore (pelo menos no que eu entendo como hardcore, na cena que eu vivo e para a qual contribuo) existem poucas mulheres nos xous, então é normal que apenas algumas delas montem bandas. aliás, se formos olhar para a porcentagem de mulheres que freqüentam a cena hardcore extremo de brasília e que tem bandas ela é muito maior que a porcentagem de homens que freqüentam a mesma cena e tem bandas isso porque não há quase mulheres em xous de "hardcore extremo" e as mulheres existentes estão bem envolvidas com a cena.
mas porque existem poucas meninas nessa cena? seria uma cena refratária a mulheres? seria tão misógina assim que as mulheres nem se interessam? eu costumo achar que isso acontece por causa dos papéis de gênero que aprendemos ao crescer. aqueles que falam sobre o que é próprio para meninas e para meninos. do mesmo jeito que não é próprio para meninas sentarem de perna aberta não é próprio para elas ouvirem grind. um som extremo é difícil de engolir mesmo; ninguém começa no rock ouvindo napalm death, você tem que ouvir muita coisa antes de agüentar a porrada sonora na orelha. e são poucas as mulheres que tem esse histórico de vida. unicamente porque esse é o tipo de coisa que não se enquadra na idéia tradicional do que é "ser mulher". e desafiar essa visão não é uma coisa muito fácil ou prazerosa. toda mulher sabe que jogar as regras do jogo é recompensador,apesar de frustrante...
tudo bem, parte um da resposta> há poucas mulheres tocando porque há poucas mulheres na cena, e há poucas mulheres na cena porque ouvir som extremo não é visto como algo "próprio para mocinhas". que mais?
além disso, poucas meninas tocam instrumentos. primeiro por falta de apoio dentro de casa, depois por falta de iniciativa (que é fundada nessa falta de apoio dentro de casa; seu irmão diz "você não tem coordenação motora pra tocar bateria" e isso fica na sua cabeça, minando toda sua vontade). existem uma série de exemplos próximos de pessoas que não sabiam tocar nada entraram em contato com o hardcore e foram atrás de aprender alguma coisa.
uma vez uma garota, que já foi envolvida com a cena, me disse que a coisa que mais irritava ela era o fato de ter que provar o tempo inteiro que gostava de som, e que conhecia coisas; o que era ainda mais estranho porque os caras trocavam entre si figurinhas sobre bandas novas e velhas, som, sobre o que era clássico ou não, mas as mulheres não tinham esse espaço; os caras não davam toques ou mostravam bandas para elas (ou para ela); o hardcore na visão dessa garota, era um clubinho masculino fechado aonde ela era uma estranha que deveria ser testada. isso pode ser um indício importante para pensarmos a questão que falei acima sobre as poucas mulheres na cena estarem super envolvidas com bandas, zines e etc (mas entrar por esse raciocínio parece fechar mais portas do que eu acharia interessante)
mais uma série de possibilidades podem ser levantadas. no entanto eu ainda não consigo entender porque existem poucas meninas na cena. uma vez me disseram que o problema das mulheres permanecerem no hardcore tem a ver com o que elas pensam ou querem da cena; enquanto os caras gostam mais/se preocupam mais com o som, nós nos preocupamos com a política, e política podemos fazer em outros lugares. e daí muitas saem da cena pra procurar lugares mais propícios (coletivos feministas, grupos de amigas, movimentos sociais, etc). é outra possibilidade, que mais uma vez mostra as marcas da separação entre o que entendemos ser parte do ser-homem e do ser-mulher. parece que essas formas de ser estão no cerne da questão.
os papéis de gênero aprisionam ainda uma série de desejos, vontades e aspirações femininas. e determinam boa parte de nossas vidas, personalidades e de nossas escolhas. mas é bom saber que as formas hegemônicas de ser tem suas contrapartidas, o que acaba por abrir possibilidades. eu lembro que a primeira vez que eu vi uma banda de hardcore com mulheres (um xou do kaos klitoriano) eu soube que era o que eu queria fazer. e cada vez mais isso acontece, cada vez mais garotas se inspiram a tocar e a se meter as caras em espaços que não são considerados “femininos” e o exemplo de uma inspira a vontade e o desejo de outras.
Um comentário:
Você é a Alice do Resident Evil? (RSS)
Fiquei sabendo do bolg no livro Mulheres do Rock, que ganhei do Filipe e por isso resolvi a comentar, embora seja antigo. Concordo com você sobre o ponto 2.
Mas sobre o ponto 1, vejo um lado positivo, apesar de que hostilidade não é bom para ninguém.
Imaginem se fosse o contrário. Imagine se os organizadores dos shows não convidassem bandas femininas por achar que mulheres não sabem tocar! A coisa iria ficar complicada.
Por outro lado imagine se o público aceitasse qualquer barulho produzido por garotas. A sena poderia ser invadida por bandas oportunistas incompetentes que só querem aparecer. Teríamos o "segura o tiã" no hardcore. A cobrança é boa nesse sentido porque força as meninas a fazerem um bom trabalho.
Atualmente tenho visto mais bandas de meninas e bandas mistas no hardicore, metal, thrash e mais mulheres nos shows o que é muito legal.
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