o texto que posto a seguir foi retirado do zine da lbl (liga brasiliense de lésbicas), e foi escrito pela xandrac e pela clarissa (que tocava guitarra numa banda chamada poena). eu achei ele muito interessante, e ele dá muito pano pra manga, muita margem à discussão. aliás essa questão da participação feminina na cena de rock sempre me preocupou/intrigou, e sempre que posso converso com pessoas diferentes sobre o assunto (como diria um amigo meu, o feminismo é o grande monotema na minha vida hehehe).
minha idéia ao postar esse texto é dialogar com ele. então a minha metodologia será a seguinte: postarei o texto delas, na íntegra, tal como foi impresso no fanzine e depois levantarei tópicos de acordo/desacordo/reforço; a idéia é colocar alguns pontos de vista diferentes e tentar contribuir para a discussão. vamos lá? confere o texto e deixe seu comentário.
Rock de saia
Por Clarissa Carvalho e Alexandra Martins
Nunca fui muito fã de Barbie ou de “coisinhas rosas” que se mexem e sorriem pra mim. Da mesma forma que na adolescência, meu maior sonho nunca foi ser modelo ou fazer plástica para ter seios maiores. Não... na verdade, eu queria mesmo ter uma banda de rock – isso mesmo, uma banda de rock.
Percebe-se que nunca fui o que tipicamente se espera de uma menina. E mesmo em pleno século XXI, algumas pessoas se espantam ao ver mulheres em bandas de rock/metal, seja tocando ou apenas curtindo o som nos shows.
São inumeráveis os “elogios” que mulheres que estão no palco ouvem. Vai desde “linda, tira a roupa, casa comigo, princesa” a “desce daí e vem me dar o seu o cú, sua vagabunda!”. Tudo que você imaginar que se refira ao seu corpo e quase nunca ao seu desempenho como musicista.
Foda-se o que você está tocando: se subiu no palco “deu” o direito de ser objeto masculino e vai ter que pagar por isso. É um tipo de punição: muitas são palavras de ódio, pelo simples fato de você ser mulher. Sim, se mulher está no palco, eles se sentem no direito de subir para beijar.
Toda mulher com atitude ou com gosto por músicas mais pesadas, são passíveis de desconfiança e por isso têm que passar por uma “comprovação”. Como se tivéssemos que provar pra todos/as que sim, curtimos rock/metal; sim, nos divertimos no show e sim, conheço as músicas da banda. Nós mulheres, estamos sempre em teste.
A violência
Ações como as relatadas anteriormente também são demonstrações de violência contra a mulher.
Quando se fala em violência, é comum imaginarmos cenas relacionadas à violência física e sexual, como espancamento, estupro, etc.
Mas também existem agressões pouco reconhecidas, como a violência psicológica, moral, institucional e patrimonial. É importante ressaltar que o fato de uma violência ser menos reconhecida que outra, não significa que ela será menos importante ou terá menor impacto.
Nos casos relatados, exemplifiquei a violência psicológica e a moral. Estes tipos de violência se dão no abalo da auto-estima da mulher, por meio de palavras ofensivas, desqualificação, difamação, proibições de estudar, trabalhar, se expressar, manter uma vida social ativa com familiares e amig@s, etc.
A violência contra mulher é caso sério e pode acontecer em todos os locais: na escola, trabalho, dentro de casa, entre amigos/as, num simples circular na rua e, como vimos, em shows de rock.
Resistência
Mesmo com toda a repulsa às mulheres que formam bandas de rock - desde a falta de apoio da família e amig@s para elas aprenderem um instrumento até a violência moral e psicológica que vão sofrer ao pisar num palco – sempre houve bandas de rock com mulheres.
O que isso significa? Será que, na verdade, o rock sempre foi um espaço também feminino? Não. Penso que todo reconhecimento que uma banda com integrante mulher conseguiu foi a custo de sua própria disposição em provar que a banda poderia fazer um som legal e ser ouvida.
E aqui eu vejo duas estratégias diferentes que as mulheres acharam para se inserir no rock:
1) Elas fazem parte de bandas mistas. Nesse sentindo, a banda busca passar a mensagem que a presença de uma mulher na banda não muda seu desempenho, sua capacidade de compor boas músicas e fazer bons shows. Naturaliza-se a presença da mulher, constituindo “mais uma banda comum”.
Nesta, todos os integrantes sobem juntamente ao palco e quase todas as críticas direcionadas à mulher, também serão recebidas pelos homens da banda – o que gera uma cautela maior do público antes de falar merda.
O problema das bandas mistas é que esse maior “respeito” pela banda, parece-me, ocorre mais para com os integrantes homens da banda - pela legitimidade que eles deram àquela mulher ao “aceitá-la” na banda – do que para a própria mulher. De uma forma ou de outra, acredito que bandas mistas sempre contribuíram para tornar a mulher mais presente no espaço do rock e metal.
2 ) Elas montam “bandas de meninas”. Para isso é necessária muita astúcia, pois mesmo que não intencionalmente, a mensagem acaba sendo: “Vocês acham que a gente não toca nada e deveria estar rebolando para vocês, mas aí: eu não dou a mínima, tenho o direito de tocar as minhas músicas e vocês vão ouvir.” Independente do discurso da banda de meninas – se são feministas, ou não – elas constituem bandas ofensivas a boa parte do público masculino do rock.
Poucas chegam a ter o reconhecimento musical que as bandas masculinas e mistas têm. Muitas pessoas costumam dizer que bandas de meninas “tocam mal”. E aqui eu imagino toda a violência psicológica que as mulheres sofrem quando resolvem tocar um instrumento até toda a pressão de terem que provar aquilo que o público nega-se a aceitar quando sobem no palco para depois dizerem que mulheres “tocam mal”??!!!
Muitas pessoas “tocam mal” quando estão aprendendo. A diferença é quando um homem “toca mal” é porque está aprendendo, ou estava nervoso no dia, já a mulher “toca mal” porque é mulher.
Esse é um dos estigmas das bandas de meninas. Seu problema é que independente do som que toquem, das letras que escrevam, da atitude no palco, da idade das integrantes, são sempre “apenas uma banda de menina”*. Porém, elas se tornam mais transgressoras no sentido de que sempre estão lá para lembrar que o rock deve ser um espaço de todos os gêneros, quer queira, quer não. Mesmo com todo esse estigma, elas também inspiraram muitas meninas (e até meninos) a tocarem e, também, a assumir posições que desejam, mesmo que não lhe sejam oferecidas.
Podemos dizer que no Século XXI algumas coisas mudaram. Entretanto, temos que ter consciência que esse espaço ainda é predominantemente masculino e, muitas vezes, violento contra as mulheres.
Eu me pergunto para onde o rock quer caminhar com sua plaquinha de “subversão ao sistema” se no seu interior é conservador quanto as posições das mulheres? Que subversão é essa, então? Nenhuma, em minha opinião.
*Engraçado, que não existe “banda de menino”, pois banda de homem é quase um pleonasmo. Nossa própria linguagem exclui.
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